quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

Capítulo 3


Jacinta e Francisco


Lúcia, Francisco e Jacinta nutriam grande benquerença mútua, e sua verdadeira felicidade consistia em passarem os dias juntos. Todas as tardes, os três eram vistos saindo pelos campos de Aljustrel, entre oliveiras e azinheiras, numa roda contínua de brincadeiras e de cantos. Quando se cansavam, Lúcia repetia para os primos alguma das histórias de fada que aprendera.



Candura e retidão de Jacinta



Certa vez, em casa dos pais de Lúcia, os três se entretinham no jogo das prendas, um dos preferidos de Jacinta. Nessa disputa, quem perde fica obrigado a realizar uma determinada tarefa ordenada pelo vencedor. Ela gostava de mandar os outros correrem atrás de borboletas ou apanhar uma flor de sua escolha. Entretanto, coube-lhe naquele dia obedecer ao desejo da prima, que saíra vitoriosa. Lúcia, vendo um de seus irmãos ali perto, ordenou à pequena que fosse lhe dar três abraços e três beijos.
― Isso não! ― protestou Jacinta. ― Mande-me fazer outra coisa. Por que não me manda beijar aquele Nosso Senhor que está ali?!
Era um Crucifixo que estava pendurado na parede.
― Está bem ― respondeu Lúcia. ― Suba numa cadeira, traga-o até aqui e, de joelhos, dê-lhe três abraços e três beijos: um pelo Francisco, outro por mim e outro por você.
― Em Nosso Senhor dou todos os que você quiser.
Dizendo isso, correu até o crucifixo. Beijou-o e abraçou-o com tanta devoção, que Lúcia nunca mais se esqueceria desse gesto. Jacinta deteve-se a observar com atenção a imagem do Crucificado, e perguntou:
― Por que Nosso Senhor está assim pregado numa cruz?
― Porque morreu por nós.
― Conte-me como foi.
Cativante narradora, Lúcia transmitiu à prima o que conhecia da história da Paixão. Ao ouvir a descrição dos sofrimentos de Jesus, a pequenina enterneceu-se até as lágrimas. E, muitas vezes depois, pedia que lhe repetisse essa história. Sempre chorava, compadecida, e em sua candura de alma dizia:
― Coitadinho de Nosso Senhor! Eu não vou fazer nunca nenhum pecado! Não quero que Nosso Senhor sofra mais!
Eis aí um tocante exemplo de retidão e candura de alma de Jacinta.
Era uma menina com o físico natural das crianças de sua idade: bem desenvolvida, robusta, mais magra que gorda, o rosto bronzeado pelo sol da serra. Protegidos por acentuadas sobrancelhas, reluziam-lhe na face de curvas gentis dois olhos grandes e castanhos, exprimindo toda a vivacidade que a animava. Tinha um coração com muito boas inclinações, enriquecido com um caráter doce e meigo, que a tornava amável e atraente.
Com freqüência, ao entardecer ela saía para o terreiro à frente de sua casa e ali admirava a beleza do pôr-do-sol e o surgimento do céu estrelado. Entusiasmava-se com as lindas noites de luar e competia com o irmão e a prima para ver quem era capaz de contar as estrelas, às quais chamavam de lamparinas ou candeias dos anjos. A lua era a de Nossa Senhora, e o sol a de Nosso Senhor. Francisco era entusiasta do sol, mas Jacinta às vezes dizia:
―Ainda gosto mais da candeia de Nossa Senhora, que não nos queima nem cega. E a de Nosso Senhor, sim...
Não obstante essa preferência, manifestava diversas vezes, com gestos e expressões comovedoras, seu intenso amor a “Jesus escondido” (como os três se referiam ao Santíssimo Sacramento), ardendo no desejo de recebê-lo, o quanto antes, na Primeira Comunhão. À espera desse momento, tinha especial prazer em imitar o Divino Redentor, como lembra a Irmã Lúcia:
“Jacinta gostava também muito de agarrar os cordeirinhos brancos, sentar-se com eles no colo, abraçá-los, beijá-los, e, à noite, trazê-los ao colo para casa, a fim de que não se cansassem. Um dia, ao voltar, meteu-se no meio do rebanho.
― Jacinta ― perguntei-lhe ― , para que você vai aí, no meio das ovelhas?
― Para fazer como Nosso Senhor, que, naquele santinho que de deram, também está assim, no meio de muitas, e com uma ao colo!...”


Um menino decidido e pacífico


Entre Francisco e Jacinta parecia haver semelhanças apenas nas feições do rosto e na prática da virtude. Ao contrário de sua irmã, o menino era pacífico e condescendente. Quando, nas brincadeiras com seus amigos, alguém insistia em lhe negar seus direitos de vencedor, cedia sem resistência, dizendo: “Você pensa que ganhou? Está bem! A mim isso não importa!”
Seu jogo predileto era o das cartas, e não manifestava, como Jacinta, o gosto pela dança. Preferia tocar pífaro e cantar, enquanto os outros dançavam. À noite, entretinha-se também a contar as estrelas, mas nada o encantava tanto como o nascer e o pôr-do-sol.
― Nenhuma lamparina é tão bonita como a de Nosso Senhor ― dizia ele a Jacinta.
“E, entusiasmado, seguia com a vista todos os raios os quais, dardejando nos vidros das casas das aldeias vizinhas, ou nas gotas de água espalhadas nas árvores e matos da serra, os faziam brilhar como outras tantas estrelas, a seu ver mil vezes mais bonitas que as dos Anjos.”
Manso e obediente, era um menino de olhar decidido, e parecia nada temer. Enfrentava corajosamente a noite fechada e a escuridão da serra, diante das quais os outros rapazes de sua idade se arrepiavam. Paciência, destemor e coragem faziam dele o orgulho do pai, que depositava nele grandes esperanças.
Entretanto, maiores eram os planos que a Santíssima Virgem tinha para Francisco, ao escolhê-lo, ao lado de Jacinta e de Lúcia, para portador de sua celestial Mensagem.

Um comentário:

Edward disse...

Parabenizo o vosso grande esmero em transmitir o bom sentido da mensagem de Nossa Senhora em Fátima. A perfeição do trabalho faz transparecer um coração que quer mais agradar a Deus do que aos homens. E tudo o que fazemos com reta intenção, brilhará por toda eternidade como o mais puro ouro no Livro da Vida.
Salve Maria!